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  • Foto do escritorIago Lôbo

Como o Conselho Federal de Psicologia vê o uso de psicodélicos na prática profissional?

Atualizado: 8 de jun.



Em 13 de abril de 2024, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), autarquia responsável pela orientação e fiscalização do exercício profissional no Brasil, promoveu, na sede em Brasília e por videoconferência, um encontro preparatório para o congresso de psicologia que vai discutir sobre maconha e psicodélicos. O evento foi promovido pelo Grupo de Trabalho de Atuação da Psicologia no uso da Maconha e Psicodélicos em Contexto Terapêutico, e contou com a presença de representantes dos Conselhos Regionais de Psicologia, além de convidados ad hoc, especialistas no tema. O evento promoveu o debate, em duas mesas, sobre contextualização e marcos legais dessas substâncias, e sobre seus usos e respectivos manejos clínicos.


O GT responsável pelo evento foi criado em maio de 2023, com o objetivo de elaborar um plano de trabalho institucional para debates e orientação sobre o uso de psicodélicos e da maconha em contexto psicoterapêutico, baseando-se em princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica e no respeito à laicidade e aos direitos humanos, como recomenda o Código de Ética da profissão. A proposta de elaboração do GT partiu do Conselho Regional do Paraná (CRP 08), apresentada durante a Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (APAF), e aprovada pelo Conselho Federal e pelos Conselhos Regionais.


Entre os dias 2 e 5 de junho de 2022, o tema também já havia sido levantado no âmbito do 11º Congresso Nacional da Psicologia (CNP), instância máxima de deliberação do Sistema Conselhos de Psicologia. No CNP, que ocorre a cada 3 anos, são definidas as diretrizes e ações políticas que devem ser priorizadas para o triênio subsequente – ou seja, para a próxima gestão dos Conselhos Regionais e Federal de Psicologia. Neste CNP 11, dentro do “Eixo #3 O Fazer Ético e Científico da Psicologia no Trabalho em Saúde Mental”, foram aprovadas e deliberadas as propostas 304 e 305, referentes, respectivamente, ao aprofundamento da “discussão sobre atuação profissional nas psicoterapias assistidas por psicodélicos”, e “promoção de ações de defesa, da pesquisa, debates e orientações qualificadas éticas e politicamente quanto ao uso terapêutico da cannabis”.


Em conversa com o CP, a psicóloga Carolina Roseiro, conselheira do CFP e coordenadora do GT, afirmou que o evento foi interno entre os Conselhos, e sem maior divulgação pública, já que se trata ainda de um momento de acúmulo de debates e de elaboração da posição dos Conselhos sobre a temática. Assim, paralelamente à demanda de uma entrega interna de um plano de trabalho do GT, a construção do Congresso Nacional tem sido o esforço de uma entrega externa para os profissionais da Psicologia, bem como para a sociedade. Segundo ela, a participação dos Conselhos Regionais, e convidados ad hoc, é fundamental para garantir um debate ampliado, diverso e participativo, considerando as especificidades dos diferentes territórios e atuações. Além disso, a diversidade de composição dos convidados ajuda no mapeamento da conjuntura do debate e da atuação da Psicologia no contexto do uso terapêutico de psicodélicos e maconha.


Para dar subsídios e fomentar o debate dos Conselhos Regionais nos seus respectivos estados, as mesas foram compostas por convidados com experiência e atuação no tema, que contextualizaram o uso de substâncias psicodélicas histórica e legalmente, bem como suas diferentes aproximações no campo psicoterapêutico. Yara Nico foi uma das convidadas e também foi ouvida pelo CP: ela é psicóloga e psicoterapeuta há mais de 20 anos, faz a Formação em Pesquisa com Psicoterapia Assistida por Psicodélicos (FoPAP), pelo Instituto Phaneros. Ainda que não estivesse representando formalmente o Instituto, ela cumpriu o importante papel de educação sobre psicodélicos que a Phaneros vem representando no Brasil, ao compartilhar alguns conhecimentos fundamentais a respeito da segurança, dos riscos e das contraindicações das substâncias psicodélicas, e dos resultados principais das pesquisas em saúde mental, para colegas de profissão, que, assim como ela, não abordaram o assunto nas suas formações este assunto. Segundo ela, hoje “existe um descompasso grande entre um hype e um boom de interesse da população em relação a essas substâncias, e um déficit da nossa formação”, então, o primeiro passo para a desconstrução de mitos criados pelo proibicionismo sobre essas substâncias é fornecer informação baseada em ciência.



Encontro Preparatório para o I Congresso Brasileiro de Psicologia, Maconha e Psicodélicos, realizado em 13 de abril de 2024 (Foto: Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul).



Já Sandro Rodrigues, que é doutor em Psicologia e co-fundador da Associação Psicodélica do Brasil (APB), foi convidado como membro ad hoc, o que significa um reconhecimento, por parte do CFP, da sua expertise na temática dos psicodélicos. Segundo Sandro, sua aproximação com o debate que agora acontece no âmbito dos Conselhos, teve início ainda durante o I Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos: clínica, ciência e política, organizado pela APB, que aconteceu nos dias 3 e 4 de novembro de 2022, no Rio de Janeiro. Lá, ele conversou com o Fábio Lopes sobre a urgência desse debate acontecer dentro do Sistema Conselhos, além de um amplo diálogo com a população e os movimentos sociais. 


Sandro tem sido uma importante voz nesse debate, ao lembrar que não existe transformação na lei que não passe por uma transformação social e na mentalidade da população e dos atores políticos. Para ele, é fundamental debater os diferente modelos clínicos que serão articulados no trabalho psicoterapêutico com psicodélicos, para que não avancem somente modelos clínicos financiados pelo capital farmacêutico, e que seguem padrões acadêmicos de pesquisa clínica, mas que não se adequam à realidade psicossocial brasileira. Assim, ele afirma que  é importante lembrar da contribuição das políticas e práticas de redução de danos com psicodélicos no Brasil, e pautar as possíveis inserções dessas terapêuticas no âmbito do SUS, como forma de alertar que a atuação da Psicologia com psicodélicos não deve se limitar ao que vem se consolidando enquanto Psicoterapia Assistida por Psicodélicos, mas ampliar para os campos da ética, da redução de danos, acolhimento, preparação, psicoterapia de integração, etc.


Fábio Lopes, com quem Sandro conversou no Congresso da APB, foi um dos autores da proposta que criou o GT, enquanto psicólogo conselheiro do CRP 08, do Paraná, e representante da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Fábio nos contou que a proposta se deu dentro de um caminho democrático dentro do Sistema Conselhos, inicialmente focando no uso assistido de psicodélicos e, aos poucos, compreendendo a necessidade de embarcar as chamadas terapias integrativas e de integração. Sua fala ressoa nas pautas levantadas por Sandro: “Hoje eu diria que a preocupação da Psicologia, para além do reconhecimento do potencial terapêutico e dos usos terapêuticos, é como o Sistema Único de Saúde pode assimilar esse debate, como as pessoas podem ter um acesso ao potencial terapêutico de cannabis e psicodélicos, como a gente tem que atuar perante os avanços da indústria farmacêutica e química, considerando saberes originários e tradições de comunidade originárias, quilombolas, indígenas, brasileiras, e também, obviamente, uma preocupação em alinhar esse debate com os princípios que a gente já tem estabelecido que é a luta antimanicomial, a atenção psicossocial e a redução de danos, que a Psicologia atual abraça”.


Fica claro que o atual debate puxado dentro do Conselho Federal de Psicologia tem suas origens na atuação pulverizada e articulada de diversos atores e instituições que vêm discutindo o uso de psicodélicos em contextos terapêuticos nos últimos anos. Para além do evento preparatório e do Congresso, que deve acontecer em 2024 ou no início de 2025, outras iniciativas também vêm se concretizando a partir da atuação dos Conselhos Regionais: no CRP-MG, sob a coordenação de Anderson Matos e Daniel Caldeira, a Comissão de Orientação em Psicologia em Tratamentos com Cannabis Terapêutica já produziu até o 1º Congresso de Psicologia e Cannabis, em abril de 2023; em setembro de 2023, o Grupo de Trabalho de Maconha e Psicodélicos, do CRP-RJ, conta com membros da APB (Fernando Beserra e Gustavo Nizzo) e estreou sua atuação com a divulgação do Formulário de Levantamento de Dados Sobre o Conhecimento da Categoria Sobre o Uso de Substâncias Psicoativas; por fim, a Revista Contato, do CRP-PR, em pelo menos duas edições já tratou sobre psicodélicos: na edição nº 145, em destaque na capa, e artigo principal escrito por Sandro Rodrigues, e na edição nº 150, um artigo pelos psicólogos Rafael Bossoni e Heitor Nitsche.


O tema é complexo, e, ao se tratar de uma categoria profissional da saúde, pede cautela e embasamento. Enquanto não temos um posicionamento oficial final do CFP sobre a atuação da Psicologia junto à maconha e aos psicodélicos, aguardaremos pela divulgação do I Congresso Brasileiro de Psicologia, Maconha e Psicodélicos. Para se informar mais sobre o que foi discutido neste artigo, sugerimos a leitura dos textos de referência destacados abaixo. E continue acompanhando o CP para ficar por dentro do tema. 



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