Resumo: O artigo aborda questões que podem atrapalhar a transparência e a qualidade dos ensaios clínicos feitos com psicodélicos. Entre eles, destacam-se dois pontos: a diferença da qualidade e quantidade do apoio psicológico entre os participantes dos grupos ativos e aqueles que recebem placebo; e a falta de critérios específicos na escolha dos participantes, o que pode fazer com que os pesquisadores sejam tentados a "selecionar a dedo" os voluntários que acreditam ser mais propensos a responder positivamente à terapia psicodélica. Embora a pesquisa psicodélica mostre resultados promissores, essas preocupações metodológicas são essenciais para a validade e a utilidade dos resultados.
A ciência e a medicina psicodélica avançam globalmente. A psicoterapia assistida por psilocibina e MDMA para o tratamento da depressão e do transtorno de estresse pós-traumático, respectivamente, têm acumulado evidências clínicas cada vez mais robustas. No entanto, existem preocupações relativas a determinados aspectos metodológicos dos ensaios clínicos com psicodélicos que merecem atenção. Tais aspectos foram apontados em um artigo de opinião publicado recentemente na revista European Neuropsychopharmacology (Zeifman & Maia, 2024).
Para além da questão sobre a dificuldade em se estabelecer um cegamento adequado em estudos com psicodélicos, algo que tem sido muito discutido atualmente, o artigo destaca outros dois tipos de limitações metodológicas: 1) a falta de equivalência na quantidade e qualidade do apoio psicológico dentro dos ensaios psicodélicos; e 2) problemas de generalização devido a possíveis vieses na seleção da amostra. Para aprimorar a validade da pesquisa psicodélica, são fornecidas recomendações para abordar essas limitações.
A terapia psicodélica envolve a administração de um agente farmacológico com suporte psicológico. É essencial que a quantidade e a qualidade do suporte psicológico sejam equivalentes em ensaios controlados por placebo para estabelecer a eficácia do agente farmacológico.
Muitos ensaios relatam disparidades na quantidade de suporte psicológico fornecido, com participantes no grupo ativo recebendo mais apoio. Isso pode levar a diferenças nos resultados que não são necessariamente devidas ao agente psicodélico. Além disso, a qualidade do suporte psicológico não é devidamente monitorada em alguns ensaios.
Muitos ensaios relatam disparidades na quantidade de suporte psicológico fornecido, com participantes no grupo ativo recebendo mais apoio (Foto: MAPS, em Science).
Outro problema é a falta de clareza na qualidade da terapia fornecida em diferentes condições de tratamento. Medir a competência do terapeuta é fundamental, mas muitos ensaios não relatam isso. Essas desigualdades podem ser exacerbadas quando o cegamento é quebrado, ou seja, quando os terapeutas e investigadores descobrem se um determinado participante faz parte do grupo que recebeu a substância psicodélica ou o placebo.
Um outro aspecto abordado no artigo diz respeito ao poder de generalização dos resultados dos ensaios clínicos com psicodélicos. A generalização é fundamental para determinar a relevância clínica de um ensaio e sua aplicabilidade a pacientes que necessitam de tratamento. No entanto, há limitações comuns em pesquisas psicodélicas relacionadas aos critérios de exclusão.
Muitos ensaios clínicos estabelecem critérios de exclusão psiquiátricos que são amplos e incluem fatores como risco elevado de suicídio, comorbidades psiquiátricas, ou um teste positivo para transtorno de personalidade borderline, por exemplo. Além disso, eles frequentemente incluem critérios de exclusão não específicos, como excluir participantes com base na avaliação de que eles são "incompatíveis com o estabelecimento de uma boa relação terapêutica ou uma exposição segura à psilocibina".
Esses critérios amplos e não específicos podem introduzir vieses no processo de seleção de participantes. Os pesquisadores podem ser tentados a "selecionar a dedo" os participantes que acreditam ser mais propensos a responder positivamente à terapia psicodélica.
Critérios amplos e não específicos podem introduzir vieses no processo de seleção de participantes dos ensaios clínicos.
Embora esses critérios de exclusão possam ser compreensíveis em ensaios focados na aprovação de medicamentos e na demonstração de segurança e eficácia em grupos mais homogêneos, eles podem produzir resultados enviesados e limitar o conhecimento sobre a segurança e eficácia do tratamento na prática clínica.
Esse problema é particularmente preocupante, à medida que governos, como a Austrália, buscam disponibilizar essas intervenções a uma gama mais ampla de pacientes. Portanto, uma flexibilização e maior transparência em relação aos critérios de exclusão é necessária para garantir que a pesquisa psicodélica seja aplicável a uma população mais diversificada e representativa.
Para abordar essas preocupações, sugere-se que pesquisas futuras garantam equivalência na quantidade de suporte psicológico e relatem qualquer desvio. Além disso, é crucial medir a qualidade do suporte psicológico e relatar essas medições junto com os resultados do tratamento. Para aumentar a generalização, os critérios de exclusão devem ser reduzidos, e a transparência sobre como esses critérios afetam a generalização deve ser discutida de forma ampla.
Embora a pesquisa psicodélica mostre resultados promissores, essas preocupações metodológicas são essenciais para a validade e a utilidade dos resultados. Abordá-las e garantir transparência aprimorará a qualidade da pesquisa psicodélica e a sua aplicabilidade como intervenção em saúde mental.
Autor
Referência
Zeifman, R. J., Maia, L. O. (2024). Methodological concerns in psychedelic research: The issues of nonequivalent psychological support and generalizability. European Neuropsychopharmacology, 78, 13–15. https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2023.09.007